28 de ago. de 2010

Destruição



Carlos Drumond de Andrade




Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente. 
 
 
 
Foto: love_by_laurapora
 
 
 

 

Amor é síntese

Mirthes Mathias

Por favor, não me analise
Não fique procurando
cada ponto fraco meu
Se ninguém resiste a uma análise
profunda, quanto mais eu!
Ciumenta, exigente, insegura, carente
toda cheia de marcas que a vida deixou:
Veja em cada exigência
um grito de carência,
um pedido de amor!

Amor, amor é síntese,
uma integração de dados:
não há que tirar nem pôr.
Não me corte em fatias,
(ninguém abraça um pedaço),
me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeita, amor!




Do livro "Bom dia amor!", 1990
Foto: Nào sei a autoria

27 de ago. de 2010



Nane Martins


Posto seu nome em meus olhos densos.
Grito, minha voz  que, insistente, tremula palavras intrépidas.
Nesse  infindável instante vacilo
E o faço diante da dimensão em que você se encontra.
Bravamente,  sem desencontro, esvazio os sentimentos desafetos
e uma profusão de amor aconchegante avinheda-se em mim.
Sinto você perene, ébrio, inquieto
Quer  me dizer algo.
Teme!
Reflete!
Espelha-se em si mesmo.
Desiste.
 Não sei os motivos....
penso em mim,  penso que sou eu.









Foto:bn1_by_lambertation

26 de ago. de 2010


Inês Pedrosa*


"Eu quero mudar o mundo, tu só queres mudar de cenário - e o teu olhar ensombrecia, numa carícia triste, e a tua boca soltava uma gargalhada desafinada, e dizias amen. Vivi enroscada na minha boa consciência - espelho, espelho meu, existe algum ser humano com melhores sentimentos do que eu?"




*Trecho do livro Faz-me Falta 
Ao som de Los Hermanos (Deixa estar)
Foto:xxx_by_6Artificial6

O mundo é grande


Carlos Drummond de Andrade*

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.










* in “Amar se Aprende Amando”
Ao som de  Los Hermanos (Sentimental)
Foto: amor_de_familia_by_felinos_FC

João Guimarães Rosa



"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: 
esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. 
O que ela quer da gente é coragem." 





Ao som de Los Hermanos ( O vento)
foto:  alone_with_the_alone_by_pakpao

25 de ago. de 2010

É bom Saber

Cláudio Thebas

É bom saber
Que a rosa não desbota na cor,
Pois lá fora
Chove um bocado;
Então eu te dou, sem jeito,
Uma flor,
Uma cor,
E um bilhete molhado.
 
Do livro: "Pois eu estive no arco-íris", Edicon, 1964, SP
Foto: Não sei de quem é a autoria

22 de ago. de 2010



Clarice Lispector


"Fique de vez em quando só, senão será submergido.
Até o amor excessivo pode submergir uma pessoa."


Foto: 

21 de ago. de 2010


Clarice Lispector 





"Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas;
minhas tristezas, absolutas. 
Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. 
Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos."



Ao som de Scorpions (Catch your train)
Foto: Não se de quem é autoria

19 de ago. de 2010


Anäis Nin


Me nego a viver em um mundo ordinário 
como uma mulher ordinária.
A estabelecer relações ordinárias.Necessito o êxtase. 
Não me adaptarei ao mundo. 
Me adapto a mim mesma.








Ao som de Scorpions (Dust In The Wind)
Foto:  gone by =andrea-h

16 de ago. de 2010


Eu te amo porque te amo






Foto: Não sei de quem é a autoria

13 de ago. de 2010

Quero ser azul


Nane Martins


Caminhei livremente
Encontrei pipas, passarinhos, doces que pareciam encantados.
Embrulhos coloridos e sem amassos
Rodas gigantes com visão singular
Meu mundo me enternece
Me deixa em balanço
Me encanta
quero ser azul
estou azul
Vou colorir tudo de azul

Mereço uma canção então...




Ao som de Louis Armstrong relembrando o lindo Wall-E (La vie en Rose) 
Foto: Liberdade de Marco Soares

A fome do primeiro grito


Hilda Hilst(1930-2004)

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.




De Júbilo Memória Noviciado da Paixão (1974)
A delicia da poesia de Hilda, se a melosidade dos piegas. Perfeita assim ela  o é.
E abaixo a originalidade e a força da voz de Marianne, inconfundivelmente forte! Adoro.




Ao som de Marianne Faithfull - (So sad)
Foto: Into dust... by ~ALEXANDRA-BANUT

9 de ago. de 2010

Simbiótico


Nane Martins


Você preenche a sua falta em mim
E fantasio em você que sou eu também em mim
Me olho e me esvazio
pra no instante seguinte me transbordar  de você.
Que instante singular me frutifica a alma?
Esse solar instante que irradia a noite calma.

Você ...

Eu...

E  te amo sem medo de você me inundar.






Ao som de Vander Lee (Contra o tempo)

Foto: Amor___by_MyLittleWorld

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré (1909-2002), poeta cearense.



"Como é que amor verdadeiro
Pode haver entre nós dois?
Se tudo teu é primeiro
E o que é meu sempre depois."
 
 
 
 
 
Foto: a_twisted_path_by_inessa_emilia



Hilda Hilst





"Como me sinto? Como se colocassem dois olhos sobre uma mesa e dissessem a mim  a mim que sou cego : isso é aquilo que vê, essa é a matéria que vê. Toco os dois olhos sobre a mesa, lisos, tépidos ainda, arrancaram há pouco, gelatinosos, mas não vejo o ver . É assim o que sinto tentando materializar na narrativa a convulsão do meu espírito, e desbocado e cruel, manchado de tintas, essas pardas escuras do não saber dizer , tento amputado conhecer o passo, cego conhecer a luz, ausente de braços tento te abraçar.






Foto: by_ennabird

7 de ago. de 2010

Francis Bacon

 
 
 
''Um homem esperto cria mais oportunidades do que encontra."
 
 
 
 
 
Ao som de tony Bennett (Fly me to the Moon)
Foto: Equilibrio no descanço de Jose Canelas

E de Agora Em Diante

 Oswaldo Montenegro

E de agora em diante teria sido decretado o amor sem problemas
E seriam vitrines nos olhos, e as almas vagariam sem medo
E de agora em diante seria pra sempre o que pra sempre acabara
E seria tão puro o desejo dos homens,
Que dionisio enlaçaria a virgem com braços enternecidos
E aplaudiríamos, calmos e frenéticos como um são francisco febril
E de agora em diante pra trás não haveria
Não mais a virtude dos fortes, mas o mérito dos suaves
O homem feminino e a mulher guerreira
O amor comunitário, sem ciúmes.
Dariam as mãos as moças que amo e brincariam de roda em volta de minha preferida
E um artesão criança esculpiria flores nos cabelos e um sorriso sincero no rosto
E de agora em diante mahatma ghandi tava vivo pra sempre e jesus era hippie,
Beethoven era roqueiro e lenon era como nós
E se não desse certo, de agora em diante, ao menos teríamos tentando.







Ao som de Johnny Cash - (Hurt)

Foto: Não sei a fonte

Eu No Sol

Composição: Jane Duboc e Oswaldo Montenegro


será que ainda não é claro
tudo que eu preciso ser?
como voa a gaivota quero ser
como o vento, ser
não é meu primeiro sonho
mais de mil você desfez
olha a nossa roupa velha
no varal e eu no sol!





Ao som de George Michael (Careless Whisper)
Foto: ___With_Arms_Wide_Open____by_Zugo

limite

Sylvia plath
 
A mulher está perfeita.
Seu corpo

Morto enverga o sorriso de completude,
A ilusão de necessidade

Grega voga pelos veios da sua toga,
Seus pés

Nus parecem dizer:
Já caminhamos tanto, acabou.

Cada criança morta, enrodilhada, cobra branca,
Uma para cada pequena

Tigela de leite vazia.
Ela recolheu-as todas

Em seu corpo, como pétalas
Da rosa que se encerra, quando o jardim

Enrija e aromas sangram
Da fenda doce, funda, da flor noturna.

A lua não tem porque estar triste
Espectadora de touca

De osso; ela está acostumada.
Suas crateras trincam, fissura.





translated by Luiz Carlos de Brito Rezende
(in FOLHETIM Poemas Traduzidos, Ed. Folha de S. Paulo, Brazil, 1987, p. 65)

Ao som de João Gilberto (Desafinado) 

Foto:  Fragile by neeta

Do filme Àgora



"Se não questiona o que acredita, 
você não pode acreditar"





Foto: Dancing_lights_by_egg_revolution
Ana Jácomo

"Que as dificuldades que eu experimentar 
ao longo da jornada 
não me roubem a capacidade de encanto."





Foto: Não sei de quem é a foto







5 de ago. de 2010

Dia

 Mongol

A barra do dia raiou
Você precisava escutar
Que coisa mais linda, morena
Que é o canto da gente
Na beira do mar
Quisera pegar com a mão
Quisera eu, queria pegar.








ao som de Oswaldo Montenegro (Intuição)

Foto: sunrise. by ~MikeKnoxville

3 de ago. de 2010

Grão de Amor

Composição: Carlinhos Brown / Marisa Monte

Me deixe sim
Mas só se for
Pra ir ali
E pra voltar

Me deixe sim
Meu grão de amor
Mas nunca deixe
De me amar

Agora as noites são tão longas
No escuro eu penso em te encontrar
Me deixe só
Até a hora de voltar

Me esqueça sim
Pra não sofrer
Pra não chorar
Pra não sentir

Me esqueça sim
Que eu quero ver
Você tentar
Sem conseguir

A cama agora está tão fria
Ainda sinto seu calor
Me esqueça sim
Mas nunca esqueça o meu amor

É só você que vem
No meu cantar meu bem
É só pensar que vem
Láia laia
Me cobre mil telefonemas
Depois me cubra de paixão
Me pegue bem
Misture alma e coração
Ao som de Tribalistas  (Grão de Amor)

Foto: I_miss_you_by_Alephunky

1 de ago. de 2010

Por Que Você Não Vem Morar Comigo?

Chico César


Por que você não vem morar comigo
Alimentar meu cão, meu ego
Cansei de ser assim, colega
Não sei mais ser só seu amigo

Eu quero agora ser o seu amado
Você me deixa a perigo
O amor me corta feito adaga
Mas vem você e afaga
Com afeto tão antigo

Você não leva a sério o que eu digo
E enche a taça que me embriaga
Me prega em cruz feito jesus de praga
Mas sempre me defende e compra minhas brigas

Não ligo
Se é amor ou amizade vaga
Dizem que o amor a amizade estraga
E esta a este tira-lhe o vigor

Não ligo
Se é caretice ou romantismo brega
Um dia em mim essa aflição sossega
More comigo e traga o seu amor

Adoro o jeito que você me pega
Me chama de meu nego, minha nega
E quando me abraça e eu me entrego
Vem você e diz cuidado com esse apego

Amigos falam que esse mico eu pago
Pois mudo logo quando você chega
E acende a luz, mas essa luz me cega
E abre em rosa a pedra que no peito eu trago






Ao som de Chico César (Pensar em você)

Foto: lav_by_simagree

Os Três Mal-Amados


João Cabral de Melo Neto

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  
Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.






Ao som de Cordel do Fogo Encantado (Dos três mal amados)

foto: amor_by_robarTuSonrisa
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