11 de set. de 2009

Sedução

Adélia Prado

A poesia me pega com sua roda dentada,
e força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia para eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.

Grande Desejo

Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia,
sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o
cachorro
e atiro os restos.
Quando dói, grito ai,
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo.
Mas tenho meus prantos,
claridades atrás do meu estômago humilde
e fortíssima voz pra cântigos de festa.
Quando escrever o livro com o meu nome
e o nome que eu vou pôr nele,vou com ele a uma igreja,
a uma lápide, a um descampado,
pra chorar, chorar e chorar,
requintada e esquisita como uma dama.


Esses poemas de Adélia Prado estão no livro "Bagagem".
Foto: Que neste mar de Malmequeres, nasça o Poema do Tempo... de Fátima Silveira

PROJETO DE PREFÁCIO


Mario Quintana

Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
Foto: Não sei de quem é

8 de set. de 2009

Segue Teu Destino



Nuno Júdice

Segue o teu destino,

Rega as tuas plantas,

Ama as tuas rosas.

O resto é a sombra

De árvores alheias.

A realidade

Sempre é mais ou menos

Do que nós queremos.

Só nós somos sempre

Iguais a nós próprios.

Suave é viver

só.

Grande e nobre é sempre

Viver simplesmente.

Deixa a dor nas aras

Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe

a vida.

Nunca a interrogues.

Ela nada pode

Dizer-te. A resposta

Está além dos deuses.

Mas serenamente

Imita o Olimpo

No teu coração.

Os deuses são deuses

Porque não se pensam.


Foto: A espera de Luiz Silva

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