21 de abr. de 2008

Soneto de Carnaval

Vinicius de Moraes

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo. "


Foto: de Jacob Lopes



Lista de Preferências

Bertold Brecht

Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexegüíveis.
Meninas, as Veras.
Mulheres, as insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os continentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, o outubro.
Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.


Foto: Transparente de Sérigo pinto





Passagem das Horas

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

(...)
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
(...)

Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.
(...)

Foto: autumn scene #1 de (?)

20 de abr. de 2008

Seja Original

ARISTÓTELES

"A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distingue-se de todos os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquire seus primeiros conhecimentos, por ela todos experimentam prazer. "


Foto: De Rui Fajardo

17 de abr. de 2008

ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Carlos Drummond de Andrade

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

Foto: Dahhhhhh...! de Isidro Dias

Hilda Hilst

Hilda Hilst

De delicadeza me construo.
Trabalho umas rendas
Uma casa de seda para uns olhos duros.
Pudesse livrar-me da maior espiral
Que me circunda e onde sem querer me reconstruo!
Livrar-me de todo olhar que quando espreita, sofre
O grande desconforto de ver além dos outros.
Tenho tido esse olhar. E uma treva de dor
Perpetuamente.
Do êxodo dos pássaros, do mais triste dos cães,
De uns rios pequenos morrendo sobre um leito exausto.
Livrar-me de mim mesma. E que para mim construam
Aquelas delicadezas, umas rendas, uma casa de seda
Para meus olhos duros.

Foto: não sei quem é o fotógrafo



Tomoko Narita Sabiá

Tomoko Narita Sabiá

Em volta à fogueira,
a dança.
Avançando a noite,
ferve a brincadeira.


A aurora vernal
caleidoscopicamentese
muda em coral
.

Foto: Bourton-on-the-Water2 de odddutch
Enviado ao meu orkut por Priscila Prisca

Desculpa


Ana Carolina

Você me diz que eu te olho profundamente
Desculpa
Tudo que vivi foi profundamente.
Eu te ensinei quem sou
e você foi me tirando os espaços entre os abraços,
guarda-me apenas uma fresta.
Eu que sempre fui livre,
não importava o que os outros dissessem.
Até onde posso ir para te resgatar?
Reclama de mim, como se houvesse possibilidade
De eu me inventar de novo.

Desculpa,
Desculpa se te olho profundamente, rente à pele
A ponto de ver seus ancestrais nos seus traços,
A ponto de ver a estrada antes dos teus passos.
Eu não vou separar minhas vitórias dos meus fracassos!
Eu não vou renunciar a mim; nenhuma parte, nenhum pedaço
do meu ser vibrante, errante, sujo, livre, quente.
Eu quero estar viva e permanecer te olhando profundamente!"

DESCULPA - Texto Ana Carolina - Adaptação unindo trechos das obras do poeta gaúcho Fabrício Carpinejar e do poeta russo Boris Pasternak)
Foto: do filme a Casa do Lago

16 de abr. de 2008

Cantiga

António Botto

Se os meus olhos te incomodam
Quando estou na tua frente
Desde já posso arrancá-los
Para te amar cegamente.

Seja o que for, não me importa,
Mas sei que não é por mim
Que os teus nervos adoecem
E andam sem governo, e assim...
Outra vida, não a minha,
Outro abraço e outro beijo
Te perturba e te desvaira
- Não mintas!, porque eu bem vejo!
Mas, continua, vai indo
Sim, vai até te cansares!,
Para ver o que tu contas
Se algum dia me voltares!

Não te incomodes comigo.
Nas lágrimas também há
Satisfação e conforto;
Nem tudo o que alguém nos mata
Fica perdidou ou é morto.
O coração ressuscita
Muita coisa que julgámos
Esquecida para sempre
Nas sombras da realidade;
O coração tem uma vida
Que pode tudo no mundo,
Chama-se apenas: Saudade!

Com ela é que eu vou vencendo
Este grande desalento
Que apaga os gritos da carne
Em falas do pensamento!
Agarro-me às sensações
Que foram o dia de ontem
- Felicidade sem névoa
Dos nossos dias felizes!
E fico a chorar de raiva
Por não ver bem a mentira
Que há nos silêncios marcados
De tudo quanto me dizes!

Acabou-se. E tu desculpa.
Falei, agora, e não digo
Nunca mais uma palavra
Acerca do nosso amor.
Fica por lá se quiseres
Até mudares ou seres
Numa nova reacção,
Límpida, pura, fremente,
Outra tortura presente
Na minha humilde paixão!
Outro céu, outro destino,
Ou outra condenação!

Foto: Marie... de Jose Duarte

Soneto

António Botto

Se, para possuir o que me é dado,
Tudo perdi e eu própio andei perdido,
Se, para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido.


Se, para estar agora apaixonado,
Foi necessário andar desiludido,
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido!


Porque, depois de tantas cicatrizes,
Só se encontra sabor apetecido
Àquilo que nos fez ser infelizes!


E assim cheguei à luz de um pensamento
De que afinal um roseiral florido
Vive de um triste e oculto movimento


*Aves de Um Parque Real As Canções de António BottoPresença, 1999

Foto: Bicicleta de Vitor NUnes


Aquele senhor que desde a infância me conhece

Reinaldo Ferreira*
Com que direito se enternece
Quando me vê?
Que mal lhe fiz, que me quer bem?
Porque motivo me diz só
Coisas que, se as soubesse, esqueceria,
Hirtas, mortas,
Coisas cheias de pó
E de melancolia?
*Do Livro 6, Um voo cego a nada
Foto: Ainda não de Vitor NUnes

VOZ QUE SE CALA

Florbela Espanca

Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro

Amo a hera que entende a voz do muro,
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...

Foto: Areias brancas de Hilton Pozza

Sublime é o amor*

Herman Hesse
Quanto mais envelhecia, quanto mais insípidas me pareciam as pequenas satisfações que a vida me dava,
Tanto mais claramente compreendia onde eu deveria procurar a fonte das alegrias da vida.
Aprendi que ser amado não é nada, enquanto amar é tudo.
O dinheiro não era nada, o poder não era nada.
Vi tanta gente que tinha dinheiro e poder, e mesmo assim era infeliz.
A beleza não era nada.
Vi homens e mulheres belos, infelizes, apesar de sua beleza.
Também a saúde não contava tanto assim. Cada um tem a saúde que sente.
Havia doentes cheios de vontade de viver e havia sadios que definhavam angustiados
pelo medo de sofrer.
A felicidade é amor, só isto.
Feliz é quem sabe amar.
Feliz é quem pode amar muito.
Mas amar e desejar não é a mesma coisa.
O amor é o desejo que atingiu a sabedoria.
O amor não quer possuir.
O amor quer somente amar.
*Não é título
Foto: Mulheres de João Vasco

Sigmund Freud

Sigmund Freud

"Os cães amam os seus amigos e mordem os seu inimigos; bem diferentes das pessoas, que são incapazes de sentir amor puro e têm sempre que misturar o amor e o ódio nas suas relações."

Foto: Linhaaaaaaaaaa........................... de João Januário

Nietzsche

Friedrich Nietzsche
" Não é a intensidade dos sentimentos elevados que faz os homens superiores, mas a sua duração."

Foto: Frente a Frente Maternal de Sérgio Conrado

Aimé Césaire


Aimé Césaire


Cultura é identidade. Mais que isso, é tudo o que o homem imaginou para moldar o mundo, para se acomodar nele e torná-lo digno de si próprio. É isso a cultura: tudo o que o homem inventou para tornar a vida vivível e a morte afrontável.



10 de abr. de 2008

Coração


Paulo Leminski


Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernando o peito.

Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha
E é melhor encher a cara."


Foto: Batismo de Hilton Pozza

Ismália

Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Foto: Tematicas AUTO RETRATO de Roberta Jardim

As Pessoas dos Livros

Fernanda Young
Vejo é azul sereno através das pálébras fechadas,
guardei todas as cartas que li dentro de mim.
Sinto meus pés leves e aquecidos.
Tenho asas e estou voando.
A vida deve ser exata,
podo os excessos da massa que transborda pela fôrma.
Sou uma cozinheira.
Sou uma cientista.
Sou livre para decidir cada próximo segundo da minha vida.
Eu sou azul.

Essa é a minha matéria."


Foto: EQ 2007 #3 de Paulo bizarro

Bernard Shaw

Bernard Shaw

“Alguns homens vêem as coisas como são e perguntam: por quê?

Eu sonho com as coisas que nunca existiram e pergunto: por que não?”

Foto: de David Guimarães

Pablo Neruda

(Autor desconhecido)
Se sou amado,
quanto mais amado
mais correspondo ao amor.
.
Se sou esquecido,
devo esquecer também,
pois amor é feito espelho:

- tem que ter reflexo!
Foto: Dia do Pai 2008de Sérgio Conrado

7 de abr. de 2008

Ah! Querem Uma Luz

Alberto Caeiro in Poemas Inconjuntos

Ah! querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.

Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores —
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

Foto: Como é lindo o Alentejo! de Pilar Mendes Dias

Hermann Hesse

Hermann Hesse

"Nada lhe posso dar que já não existam em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo.

Foto: Bridge de Poozcard

TEMPO-ETERNIDADE

Paulo Mendes Campos

O instante é tudo para mim que ausente
Do segredo que os dias encadeia
Me abismo na canção que pastoreia
As íntimas nuvens do presente.

Pobre do tempo, fico transparente
A luz desta canção que me rodeia
Como se a carne se fizesse alheia
À nossa opacidade descontente.

Nos meus olhos o tempo é uma cegueira
E a minha eternidade uma bandeira
Aberta em céu azul de solidões.

Sem margens, sem destino, sem história,
O tempo que se esvai é minha glória
E o susto de minh“alma sem razões.

Foto: Coming de poozcard

Jacques Anatole France

Jacques Anatole France

"Todas as misérias verdadeiras são interiores e causadas por nós mesmos. Erradamente, julgamos que elas vêm de fora, mas nós é que as formamos dentro de nós, com a nossa própria substância."



Foto: Headed de poozcard

O seu santo nome

Carlos Drummond

Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.


Foto: FrAgmentos... de Mario Pereira



E você de que tamanho é?


Fernando Pessoa
Eu sou do tamanho daquilo que vejo,
e não do tamanho da minha altura."

Foto: Retirada do site da g1/notícias

3 de abr. de 2008

Apontamento

Álvaro de Campos

A minha alma partiu-se
como um vaso vazio.
Caiu pela escada
excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços
do que havia louça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha
quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos
sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda
como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se
do parapeito da escada.
E fitam os cacos
que a criada deles fez em mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos
absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos,
não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes
à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria
atapetada de estrelas.
Um caco brilha,
virado do exterior lustroso,
entre os astros.
A minha obra?
A minha alma principal?
A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente,

pois não sabem por que ficou ali

Foto: Fall in


Perigo de Explosão

José Mário Silva
Melhor fechares os olhos, meu amor,
antes que o mundo inteiro seja um incêndio.
Os ventos todos fechados dentro da minha mão.
quantos ciclones queres ?

Procurava nos outros a ternura,
mas só encontrava poços cheios
de ódio e nitroglicerina

Aquele poema, ao contrário
dos outros, tinha pólvora.
só lhe faltava o rastilho.

Éramos rebeldes por sistema,
a sonhar uma revoluçao por dia.
à tardinha, na esplanada,
bebiamos um cocktail molotov.

O terrorista apaixonado carregava,
às escondidas, uma bomba-relógio.
era no peito.
era o coração.


Foto: Um caminho....de Yosef

Francis Bacon

Francis Bacon

"Dedicar-se em demasia aos estudos é indolência; usá-los em demasia como ornamento é afetação; fazer julgamentos seguindo inteiramente suas regras é o capricho de um scholar. (...) Os homens astutos condenam os estudos, os homens simples os admiram, e os homens sábios se utilizam deles, obtida graças à observação."

Foto: Ainda tentando descobrir a autoria



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