25 de mai. de 2008

de amargar

Capiba

Eu bem sabia que esse amor um dia
Também tinha seu fim
Essa vida vida é mesmo assim
Não penses que estou triste
Nem que vou chorar
Eu vou cair no frevo que é de amargar.
Eu já arranjei outra morena bonita
Anda bem vestida, cheia de laço de fita
Gosta de mim com toda emoção
E já se diz a dona do meu coração.
Eu bem sabia que esse amor um dia
Também tinha seu fim
Essa vida vida é mesmo assim
Não penses que estou triste
Nem que vou chorar
Eu vou cair no frevo que é de amargar.
Minha morena empre diz, quando me vê
- Gosto de você, não sei como e porque.
Me faz carinhos a todo momento
Porém eu tenho medo do seu juramento.
Tenho uma coisa pra lhe dizer
Mas não digo não porque faz mal ao coração.
Tenho uma coisa pra lhe dizer
Mas não digo não porque faz mal ao coração.
Não confessarei o meu segredo
Só porque você é convencida
Pois se eu lhe contar você vai rir
E sem querer eu vou chorar por você, minha querida.
Tenho uma coisa pra lhe dizer
Mas não digo não porque faz mal ao coração.
Tenho uma coisa pra lhe dizer
Mas não digo não porque faz mal ao coração.
Eu sei que você gosta de outro
Mas eu lhe queria mesmo assim
O meu coração eu lhe darei
Porém com uma condição, se você disser que sim.





Sei, Estou, sou

Carla Dias


"Seria suícidio
se eu levantasse,
derrubasse os lençois
e dançasse?
Seria um milagre
se eu revirasse as gavetas
e encontrasse um sonho?
Venha dançar e acredite,
ainda sei encontrar alguém
e olhar dentro dos olhos dele!
Ainda..."

Foto: de Nuno Belo

Envolve-me amorosamente

António Botto Presença, 1999

Envolve-me amorosamente
Na cadeia de teus braços
Como naquela tardinha...
Não tardes, amor ausente;
Tem pena da minha mágoa,
Vida minha
Vai a penumbra desabrochando
Na alcova
Aonde estou aguardando
A tua vinda...
Não tardes, amor ausente!
Anoitece. O dia finda...
E as rosas desfalecendo
Vão caindo e murmurando:
– Queremos que Ele nos pise!
Mas, quando vem Ele, quando?...




in As Canções de António Botto

Flores e frutos. Frutos e Flores

Marina Colasanti

Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.

24 de mai. de 2008

Mesa dos sonhos


Alexandre O'Neill


Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte
povoando de novos sonhos a vida.


Foto: Amanhã de Ana de Sousa

16 de mai. de 2008

Súplica


Florbela Espanca



Olha pra mim, amor, olha pra mim;
Meus olhos andam doidos por te olhar!
Cega-me com o brilho de teus olhos
Que cega ando eu há muito por te amar.
O meu colo é arninho imaculado
Duma brancura casta que entontece;
Tua linda cabeça loira e bela
Deita em meu colo, deita e adormece!
Tenho um manto real de negras trevas
Feito de fios brilhantes d'astros belos
Pisa o manto real de negras trevas
Faz alcatifa, oh faz, de meus cabelos!
Os meus braços são brancos como o linho
Quando os cerro de leve, docemente...
Oh! Deixa-me prender-te e enlear-te
Nessa cadeia assim eternamente! ...
Vem para mim, amor... Ai não desprezes
A minha adoração de escrava louca!
Só te peço que deixes exalar

Meu último suspiro na tua boca!



Foto: Deixo-me levar pelas tuas ondas de José Neves

O Espelho (trecho)

Machado de Assis

"Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro(...) Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação."


Foto: de Carlos Manuel Pereira



1 de mai. de 2008

Em torno de um título de Maria Archer


Victor Oliveira Mateus


Devia haver uma lei
um qualquer decreto ou norma
que nos impedisse o rigor dos afectos
o cataclismo dos desejos

Devia haver um céu
com nuvens de arame-farpado
onde estiletes vigilantes
pronto trespassassem
todo o peito que o sonho insistisse

Talvez - quem sabe?- até
se pudesse criar uma ilha
cercada de vidros e circuitos eléctricos
para onde se desterravam
os obstinados das paixões
os insurrectos da fantasia

Devia era haver qualquer coisa
contra esta tortura de ouro e maravilha
que nas margens do tempo insiste
e em barcos que ninguém vê
aos poucos nos desencaminha


Foto: solidão... de David Caretas





NOITE CARIOCA

Ana Cristina César

Diálogo de surdos, não: amistoso no frio. Atravanco
na contramão. Suspiros no contrafluxo. Te
apresento a mulher mais discreta do mundo: essa
que não tem nenhum segredo.


Foto: Sombra de Luís Mendonça

Habitam-me todos os sexos*

Célia de Lima (Janeiro de 2007)

O que me habita é tudo o que já me compôs.
Vícios e medos vencidos...
fugas, fogueiras, nações...
Todos os eus me habitam;
em muita sombra e alguma luz.
Habitam-me todos os sexos,
todas as cores, toda fé.
Verso e deserto. Habito-me."

Foto: plastic wind de DDiaarte

*Não é o título da poesia

O Homem Público N. 1 (Antologia)



Ana Cristina César(1952-1983)


Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.



Foto: cafe #2 de moonchild

Me Revelar

C. Oyens e Zelia Duncan

Tudo aqui!
Quer me revelar
Minha letra
Minha roupa
Meu paladar
O que eu não digo
O que eu afirmo
Onde eu gosto de ficar
Quando amanheço
Quando me esqueço
Quando morro de medo do mar...

Tudo aqui!
Quer me revelar
Unhas roídas
Ausências, visitas
Cores na sala de estar...

O que eu procuro
O que eu rejeito
O que eu nunca vou recusar
Tudo em mim quer me revelar...

Tudo em mim!
Quer me revelar
Meu grito, meu beijo
Meu jeito de desejar
O que me preocupa
O que me ajuda
O que eu escolho prá amar
Quando amanheço
Quando me esqueço
Quando morro de medo do mar
Ah! Ah!...

Tudo aqui!
Quer me revelar
Unhas roídas
Ausências, visitas
Cores na sala de estar...

O que eu procuro
O que eu rejeito
O que eu nunca vou recusar
Tudo em mim quer me revelar
Ah! Ah! Ah! Ah!
Tudo em mim


Foto: de Rui Bento Alves

Não te Chamo

Sophia de Mello Breyner Andresen

Não te chamo para te conhecer
Eu quero abrir os braços e sentir-te
Como a vela de um barco sente o vento

Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser


Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite


Foto: Do Céu desceram à Terra. Eu... queria chegar Lá! de Fátima Silveira
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